Wednesday, May 23, 2007

Juventude Leonina - Esboço duma possível história

A Juventude Leonina é, actualmente, o mais antigo grupo organizado de adeptos em Portugal. Tendo sido fundada em 1976 pelos filhos do então presidente do Sporting, João Rocha, de inicio não seria mais que um grupo de jovens que entre si partilhavam afinidades clubísticas e de amizade, até porque muitos seriam colegas no colégio São João de Brito em Lisboa. De início, e ao contrário do que se veio a verificar mais tarde, as principais influências vinham das torcidas organizadas do Brasil, de certa forma dando continuidade a uma tradição de apoio organizado que já existia em Alvalade na década de 70, com os célebres Vapores do Rego, um grupo de jovens brasileiros que se destacava pelas suas alegres batucadas e que ajudaram a equipa a vencer o campeonato de 1973-74, equipa onde pontificavam, entre outros, Vítor Damas e Hector Yazalde. Ou seja, as influências inglesas (através da cultura hooligan) e italianas (pelo exemplo dos grupos ultra) vieram mais tarde, mais concretamente no início dos anos 80. Ainda no que diz respeito aos primeiros anos de vida da Juventude Leonina, a sua formação estava integrada num projecto de grande dinamismo que o presidente João Rocha trouxe ao Sporting, que se traduziu na construção de grandes equipas de futebol, que culminaram nas "dobradinhas" de 1973-74 e 1981-82, para além do título de 1979-80, e num ecletismo que implicou as vitórias no hóquei em patins, no andebol, no basquetebol, no atletismo e em muitas outras modalidades, convém não esquecer que em 1986, quando João Rocha abandonou a presidência do Sporting, o clube contava com mais de 100 000 sócios. Nos primeiros anos da década de 80, a claque encontrava-se situada na Superior Sul do Estádio de Alvalade, tendo passado, por volta dos anos de 1983/1984, para a célebre Ponta Sul. Neste período já encontramos a claque com uma maior organização, começam a surgir as primeiras faixas, as primeiras bandeiras com simbologia alusiva à claque e a utilização regular de fumos, seguindo o modelo italiano dos grupos ultra. Toda a cor e alegria que a Juventude Leonina trazia aos estádios portugueses fez com que nos outros clubes começassem também a surgir grupos organizados de apoio, compostos essencialmente por jovens, como foi o caso dos Diabos Vermelhos no Benfica fundados em 1982, dos Dragões Azuis no F. C. Porto, fundados também no início da década de 80, da Fúria Azul no Belenenses e dos Panteras Negras do Boavista, fundados em 1984, da Alma Salgueirista do Salgueiros e da Mancha Negra da Académica de Coimbra, fundadas em 1985, ou seja, na primeira metade da década de 80 quase todos os clubes que disputavam a primeira divisão contavam com uma claque organizada, sendo de referir que só no Sporting chegaram a existir em simultâneo, por volta de 1986,quatro grupos reconhecidos oficialmente pela direcção sportinguista (Onda Verde, Força Verde, Norte Leonino e Juventude Leonina), para além daqueles que não contavam com o apoio oficial (por exemplo, a Torcida Verde fundada em 1984, cujos fundadores chegaram a militar na Juve Leo, e que só viu o seu apoio reconhecido a nível oficial em 1988). Toda esta proliferação de claques organizadas culminaram nos Congressos Nacionais de Claques organizados nos anos de 1984 e 1985.
Os anos 80 significam para o Sporting o início do longo jejum no que diz respeito a títulos no futebol sénior. Com excepção das vitórias alcançadas na gloriosa época de 1981-82, só há a destacar a vitória na Supertaça da época 1986-87, resultante da presença na final da Taça de Portugal perdida para o eterno rival Benfica. Mas foi também na década de 80 que as claques de futebol se instalaram definitivamente no imaginário desportivo português, constituindo o Estádio de Alvalade um exemplo para os restantes clubes no que diz respeito a apoio organizado. Foram várias as claques portuguesas que adoptaram o nome "Juventude", ou até mesmo o diminutivo "Juve" (ex: Juventude Bracarense no Sporting de Braga, ou Juve Negra no Tirsense), influenciadas, muito provavelmente, pela dinâmica e capacidade de organização que a Juve Leo demonstrava, às quais não seria alheias certamente as ligações familiares dos fundadores da claque.Começaram também nos anos 80 as deslocações ao estrangeiro por parte da Juventude Leonina, a primeira terá talvez sido a Sevilha na época 1983-84 em jogo a contar para a Taça UEFA. Seguiram-se outras como Auxerre (1984-85), Roterdão, Bilbao (ambas na época 1985-86), San Sebastian (com a Real Sociedad em 1988-89) e a Nápoles (1989-90), onde na equipa local pontificava um senhor de nome Diego Armando Maradona... Contudo, ficaram também célebres as noites europeias de Alvalade, donde se podem destacar os jogos com Athletic de Bilbao, Barcelona, Atalanta, Ajax e o já referido Nápoles de Maradona.No entanto, o apoio dado pela Juve Leo ao clube não se limitava ao futebol, e desta forma modalidades como o hóquei em patins ou o andebol (sendo de recordar no caso específico do andebol a final da Taça de Portugal da época 1988-89, disputada em Loures contra o eterno rival da 2ª Circular) também beneficiaram da presença da claque no pavilhão ou na nave do antigo Estádio José de Alvalade.

Subsídios para a história da extrema-direita em Portugal no pós-25 de Abril

O Movimento de Acção Nacional

Em Junho de 1985 um grupo de jovens da zona da Amadora regista no cartório a Associação Cultural Acção Nacional, cujos princípios consistiam na “defesa dos valores nacionais, étnicos, culturais, éticos e espirituais”. Este grupo de jovens era constituído por Vítor Santos, Manuel Andrade, Alexandre Freire, Paulo Sequeira e José Luís Paulo Henriques, sendo que a ideia de organizar uma associação deste cariz partiu deste último, que já tinha militado na Juventude Centrista, e que se destacava dos restantes pela sua força de vontade e dinâmica, e desde cedo “Zé Gato” (alcunha pela qual também era conhecido José Luís Paulo Henriques, pelas semelhanças futebolísticas que tinha com o antigo guarda-redes benfiquista) tomou em mãos a direcção do grupo. Posteriormente a associação passou a designar-se Movimento de Acção Nacional (MAN) e começa a dar os primeiros sinais de dinamismo, reflectindo-se na edição do seu primeiro órgão de informação, o jornal Acção, isto já no ano de 1986, sendo mais tarde substituído pelo Ofensiva. Naquele que foi o primeiro jornal do movimento podia-se ler que “o MAN caracteriza-se por uma Terceira Atitude, que se coloca em oposição ao Capitalismo e Socialismo”, sendo o seu lema, impresso nos cartazes que já começavam a povoar as paredes da zona de Lisboa, “Nem Capitalismo! Nem Comunismo! Terceira Via! Por Portugal!”. Esta atitude de inconformismo aliada à divulgação de propaganda provoca a adesão de muitos jovens, entre os quais um grupo de jovens de Almada, que tinham em comum o gosto pela cultura skinhead, e que em 1987 resolvem aderir ao MAN. Ainda neste ano, e aproveitando a dinâmica que a adesão dos primeiros skinheads provocou, é editado o primeiro número do Combate Branco, dirigido aos militantes mais radicais do movimento. A influência do MAN chega ao Norte do país, onde começam a surgir os primeiros militantes, e onde surge a primeira publicação, intitulada Vento do Norte. Esta junção com os famigerados skinheads veio a provocar vários dissabores ao MAN, que aos olhos da sociedade portuguesa foi sendo visto como uma organização de extrema-direita composta em grande parte pelos chamados "cabeças rapadas", que se caracterizavam (pelos exemplos vindos do estrangeiro, nomeadamente de Inglaterra, onde nasceu, nos anos 60, esta subcultura) pela violência e pelo racismo. Em 1989 começam a surgir os primeiros problemas, ao mesmo tempo que começam a surgir as primeiras cruzes celtas (símbolo adoptado pelo MAN) nos estádios de futebol, sinal da influência que os skinheads começavam a ganhar nas claques dos principais clubes portugueses. Em Maio deste ano o actor João Grosso é agredido por um grupo de sete skinheads em Lisboa, tendo perdido um testículo em resultado do espancamento, sendo de referir que João Grosso estava a socorrer um outro jovem que estava a ser agredido pelo mesmo grupo. A comunicação social começa a reportar alguns episódios de turbulência na noite lisboeta, nomeadamente confrontos no Bairro Alto, mas é a 28 de Outubro que se dá o acontecimento que, muito provavelmente, levará à auto-extinção do MAN. Neste dia um militante do Partido Socialista Revolucionário (PSR), José Carvalho, é esfaqueado junto ao coração mesmo à porta da sede deste partido, na Rua da Palma em Lisboa, o que provocou a sua morte. Tudo terá acontecido quando um grupo de skinheads oriundo da Margem Sul forçou a entrada na sede do PSR, onde estava a decorrer um concerto promovido pelo partido inserido numa campanha contra o militarismo. O autor do golpe fatal terá sido Pedro Grilo, condenado a 12 anos de prisão por homicídio voluntário qualificado no julgamento que decorreu no Tribunal de Monsanto a 21 de Março de 1991, presidido pelo juiz Ricardo Cardoso, e onde foram também condenados Américo Silva (pena de 7 anos), Melchior Santos (6 anos) e Gabriel Ferreira (5 anos), os três condenados pelo crime de ofensas corporais e co-autoria da morte do militante do PSR. Filipe e Miguel Temporão foram condenados a 18 e 15 meses de prisão, respectivamente, mas com pena suspensa, Francisco Mascarenhas e Carlos Mariani foram absolvidos. Pedro Grilo sempre reclamou inocência, e a faca que provocou a morte de José Carvalho nunca foi encontrada. Cinco meses depois de ter sido condenado Pedro Grilo evade-se da cadeia do Linhó, dentro do carro da roupa suja juntamente com outros dois reclusos, sendo desconhecido até hoje o seu paradeiro. Mas os incidentes não se limitavam à cidade de Lisboa, também no Porto os skinheads faziam estragos. A 19 de Novembro de 1989 o angolano Francisco Faustino é espancado na zona da Boavista, sendo posteriormente abandonado, inconsciente, na linha férrea. Também neste dia dois cidadãos espanhóis são agredidos pelo mesmo grupo no centro comercial Brasília. O caso relativo a Francisco Faustino é levado também a julgamento, são constituídos 12 arguidos, sendo a decisão proferida a 14 de Abril de 1997, não chegando a condenar à prisão nenhum dos envolvidos, ora por falta de provas, ora devido a amnistias. Já a terminar o ano de 1989, talvez o mais atribulado da história do MAN, um jantar organizado no Porto a 1 de Dezembro, que visava uma maior aproximação entre a estrutura dirigente do movimento, situada em Lisboa, e os militantes nortenhos, acaba em confrontos entre os dois grupos, o que denotava a fragilidade da base de apoio do MAN. Sensivelmente no mesmo período José Luís Paulo Henriques tenta uma demarcação dos skinheads, e apela a uma maior discrição por parte dos militantes mais radicais, o que não é bem recebido por alguns dos membros do MAN, que abandonam o movimento para formar a Frente de Defesa Nacional (FDN), no entanto esta última não consegue ter o impacto que o MAN teve na sociedade portuguesa no final dos anos 80. A actividade do movimento reduz-se drasticamente, e só volta às páginas dos jornais em 1993 quando o Ministério Público solicita ao Tribunal Constitucional a extinção do MAN por ser uma organização que perfilha a ideologia fascista, proibida pela Constituição Portuguesa, aliada aos acontecimentos violentos que alguns dos seus militantes protagonizaram em Lisboa e no Porto. A 20 de Setembro deste ano começa o julgamento, onde os antigos dirigentes do MAN assumem a admiração pelo Estado Novo de Salazar, mas recusam a conotação com o Fascismo e com a violência dos skinheads, não desmentindo, porém, a infiltração destes no movimento. No início de 1994 o Tribunal Constitucional indefere o pedido de extinção do MAN pelo Ministério Público por ter chegado à conclusão que este já se encontrava extinto.


A extrema-direita e as claques de futebol

Mas se os anos 90 viram o desaparecimento do MAN, também viram o surgimento da extrema-direita em grande destaque noutros palcos, desta vez menos políticos e mais desportivos. Em 1991, Gaspar Fernandes, responsável operacional da PSP pelo policiamento dos estádios da Grande Lisboa, confirma em entrevista ao Diário de Notícias a presença de elementos da extrema-direita nas claques dos grandes clubes portugueses. Mário Machado, skinhead que vem a ter um enorme protagonismo anos mais tarde, terá tomado contacto com esta ideologia sensivelmente nesta altura, e terá sido nas bancadas do antigo estádio José Alvalade, e no seio da claque sportinguista Juventude Leonina, que pela primeira vez privou com skinheads, conforme o próprio assume em entrevista concedida ao jornal Correio da Manhã em Maio de 2005. Os primeiros anos da década de 90 ficam marcados pelos primeiros episódios de violência protagonizados pelas claques. Em Março de 1992, após o jogo entre Sporting e o F. C. do Porto a contar para a Taça de Portugal, os adeptos sportinguistas envolvem-se em confrontos com a polícia dentro e fora do estádio. Durante esta época de 1991-92, a exibição de bandeiras neo-nazis no seio das claques do Benfica, Sporting e F. C. do Porto são uma constante, mas é na época seguinte, 1992-93, que a situação se agrava, tendo a comunicação social dado grande atenção ao facto. Ainda em 1992, também em jogos a contar para a Taça de Portugal são exibidos símbolos de extrema-direita. Em Loulé, durante o Louletano – Benfica, membros dos Diabos Vermelhos exibem uma bandeira com a cruz suástica, e no Barreiro, no jogo Barreirense – Sporting, uma enorme faixa, contendo a palavra Skinheads e ladeada por uma cruz celta, é colocada na rede do estádio, precisamente na zona onde se encontravam as claques do Sporting. Mas não era só em estádios de clubes pequenos, onde o policiamento é mais fraco, que estes símbolos eram exibidos. Em pleno estádio da Luz, em Lisboa, no jogo que opôs o Benfica ao Dínamo de Moscovo, a contar para a Taça UEFA, a claque No Name Boys exibe uma faixa relativa às Waffen SS, a força de elite do exército nazi. A confirmação da infiltração da extrema-direita nas claques de futebol surge nas páginas da revista Sábado, onde é feita uma reportagem sobre o assunto, e onde membros da Juventude Leonina, incluindo o seu líder Fernando Mendes, posam para a foto fazendo a saudação nazi e segurando uma bandeira com a cruz celta. Mais tarde, em entrevista concedida ao jornal A Bola, o mesmo assume que o fez por uma questão de protagonismo, com o intuito de que a comunicação social desse alguma imagem da claque, e desvaloriza a saudação nazi, afirmando que fez o mesmo aquando do seu juramento de bandeira durante o serviço militar. Mas é no início do ano de 1993 que a opinião pública desperta em definitivo para esta situação. A 3 de Janeiro, durante o intervalo do jogo Belenenses – Benfica, membros afectos à claque No Name Boys provocam incidentes e agridem um funcionário do clube do Restelo, por este ter tentado impedir que os jovens benfiquistas vandalizassem o marcador do estádio, no seguimento dos incidentes é exibida uma bandeira com uma cruz suástica por um suposto membro dos já referidos Diabos Vermelhos, tudo isto captado pelas câmaras da televisão e visto por milhões de portugueses. Dias depois começam as reacções, a direcção do Benfica decide retirar o apoio às suas claques e o presidente do F. C. do Porto, Pinto da Costa, pede a demissão de Dias Loureiro, responsável pela pasta da Administração Interna do governo de Cavaco Silva, responsabilizando-o pelos últimos acontecimentos. A conexão entre este despertar da violência nos estádios de futebol portugueses e as infiltrações da extrema-direita começou a ser feita pela opinião pública, o que ainda perdura, sendo algo sempre reforçado por associações como o SOS Racismo.