Tuesday, June 12, 2007

O surgimento da imprensa desportiva em Portugal

Com o advento do fenómeno desportivo em Portugal, alguns dos seus integrantes começaram a sentir necessidade de divulgarem as suas modalidades de eleição e as actividades dos clubes que integravam. E desta forma começaram a surgir jornais que funcionavam como orgão oficiais de determinados clubes. O primeiro a surgir foi O Velocipedista, jornal oficial do Club Velocipedista do Porto, de periodicidade quinzenal e cujo primeiro número saiu a 1 de Março de 1893. O proprietário era F. Lopes & Pimenta, o redactor principal Vidal Oudinot e a redacção estava situada na Rua de D. Pedro, nº 184, na cidade do Porto. Ou seja, podemos considerar que a imprensa desportiva portuguesa nasceu na “cidade invicta. O jornal foi editado durante praticamente dois anos, saindo o último número a 15 de Fevereiro de 1895. Em destaque o editorial da primeira edição, histórica no universo da imprensa desportiva portuguesa:

Avante sim!
O nosso espirito é morto, morto para as luctas e para a vida. É urgentissimo, é necessário que elle se avigore, que se revolte.
Um espirito novo de revoltado é como uma granada que rebenta no campo inimigo. É um clarim que vibra n´um grande descampado, onde um exercito de sibaritas ficasse dormindo, tranquilo, voluptuosamente e que elle, com a sua nota viva, irrequieta, estridula, viesse acordar aquelles espiritos mortos, aniquillados pela inacção.
E não haverá meios em que o espirito e o corpo possam sahir d`esse amollecimento desmoralisador e doente? Há-os e muitos.
A velocipedia, a gymnastica, a natação, etc., tudo isso são uns meios bons para o desenvolvimento physico da nossa organisação estiolada.
De entre tantos que se me affiguram verdadeiramente notaveis, eu ponho em primeiro lugar a velocipedia, pois que, acho-lhe dois motivos poderosissimos: o ser util e o ser agradavel.
A velocipedia em estes ultimos tempos tem-se generalisado espantosamente.
É pena que ainda o nosso meio burguez olhe para a bicycletta como um instrumento mau e desmoralisador. Mas isto são os espiritos velhos, felizmente, e estes mesmos, em breve se irão habituando a olhal-a mais complacentemente, em vista dos beneficios que d´ella advem.
Como exercicio muscular é superiormente notável: musculos das pernas, braços e peito desenvolvem-se espantosamente.
Como applicação medica ao corpo enfermo as curas são immensas e notaveis.
A paralisia parcial, rheumatismo, rachitismo, etc., têm tido tirado do exercicio velocipedico resultados maravilhosos!
Mas para que tudo isto se saiba, se vulgarise, é necessário recorrer à imprensa. É por isso que se fundou o “Velocipedista”.
Apresentamo-nos, pois, perfeitamente organisados, perfeitamente disciplinados, sem a menor ideia de ostentação, mas tambem sem tolas modestias que nos espiritos novos tão mal cabem, convictos do que valemos na empreza a que nos abalançamos.
Seguiremos passo a passo o progresso da velocipedia, demonstrando a pouco e pouco o alto papel que este meio de locomução virá a representar no futuro e mais para diante abriremos secções novas que, pela sua novidade, serão um “clou” palpitante, um verdadeiro acontecimento em o nosso pequeno meio velocipedico.
Contamos já com valiosissimas adhesões que de toda a parte nos chegam.
Essas adhesões e esses incitamentos são já o prenuncio d´uma era esplendorosa, que não vem longe, para a velocipedia em Portugal.
Avante, pois.

Logo no ano seguinte um grupo de associdados do Real Ginásio Clube Português resolve editar um jornal que servisse os interesses do clube e do desporto em geral. Desta forma é fundado o jornal O Sport, cujo primeiro número sai a 22 de Janeiro de 1894. Tinha como director Carlos Xafredo (o tradutor das regras do futebol para a língua portuguesa) e como editor Henrique Pinto do Amaral. Era um jornal que abrangia várias modalidades, conforme se pode comprovar no seu primeiro número, onde são publicados vários artigos dedicados a desportos como a equitação, a caça, a esgrima, a ginástica, o ciclismo, o futebol e os desportos náuticos. Teve uma vida breve, não tendo ultrapassado os quatro números. Apresentamos o editorial da primeira edição:

É com o maior jubilo que apresentamos á conscenciosa apreciação do publico o primeiro numero d´esta publicação, cuja ideia fôra há muito concebida, preoccupando o espirito de alguns enthusiastas pelo “sport”, mas que por uma serie de circumstancias não tinha tido até hoje realisação pratica.
Sem pretenções, como tambem com todo o desassombro e imparcialidade é somente a nossa mira, pôr ao facto do que se passa no mundo do “sport” os nossos amigos e leitores. Comprehendemos quão arriscada e trabalhosa é a tarefa a que nos vamos abalançar; esperamos porém, o vosso bom acolhimento, tanto mais, que é infelizmente tão mingoado no nosso paiz, o numero dos que já comprehendem as vantagens do exercicio physico.
O que mais nos anima a prosseguir, é o ter a consciencia plena, de não nos mover o espirito da ganancia estando animados do mais amplo desinteresse, e visando só, em augmentar o numero dos adeptos pelo desenvolvimento physico, que tão desprezado tem sido no nosso paiz, destoando assim tanto de todos os outros.
Não nos limitaremos somente a tratar dos exercicios ao ar livre, que, bem sabemos não podem ser usados por todos, mas sim trataremos conjunctamente da gymnastica, esgrima, nauticam velocipedia, caça, etc., para o que contamos com a coadjuvação dos nossos amigos.
Como homenagem a todos os individuos que por qualquer forma se distingam em exercicios de “sport”, publicaremos em cada numero um retrato photographico, ou grupos e scenas relativas ao “sport”.
Pedindo de novo a benevolencia do publico, concluiremos por offerecer a todos os “sportsmen” as colunnas do nosso jornal para os assumptos que elle se propõe tratar.

Estava dado o mote para o estabelecimento da imprensa desportiva em Portugal. Logo no ano seguinte, 1895, a Associação dos Atiradores Civis Portugueses (fundada a 16 de Novembro de 1893) resolve editar o seu orgão de informação oficial, intitulado O Tiro Civil, publicação de cariz semanal, cujo primeiro número foi editado a 7 de Março deste ano, e que durou até 1903. Tinha a redacção estabelecida no 1º andar da Rua de São Paulo, nº 216, em Lisboa, e tinha como editor Manuel Augusto Pinto. Destacamos um pequeno excerto do editorial da primeira edição do Tiro Civil:

...somos absoluta e completamente dedicados ao fim especial de darmos noticias e informações, que digam respeito ao tiro, á esgrima, á gymnastica, á caça, conservando-nos estranhos a toda e qualquer politica...

A 22 de Novembro 1896 é publicado em Lisboa o primeiro número do jornal O Velo-Sport, dedicado à divulgação do ciclismo, cujos proprietários eram Ignacio Lima e Carlos Portella, o editor dava pelo nome de Paulo da Fonseca e a redacção ficava situada na Rua do Arco do Bandeira, nº 211. Em destaque o editorial do seu primeiro número:

Ao apresentarmos á luz da publicidade este semanario, sentimo-nos possuidos d´uma profunda incerteza muitissimo justificada, em vista do mau sucesso que tiveram todos os jornaes que nos antecederam, tratando do mesmo assumpto.
É profundamente lamentavel que tendo o sport em geral, e a velocipedia em particular, tomado em Portugal um grande incremento n´estes ultimos tempos, não tenhamos um único jornal que se possa enviar para o estrangeiro, afim de que lá fora se possa ajuizar do estado de adeantamento em que o sport se encontra entre nós, tomando assim o logar que de direito nos pertence.
Indubitavelmente, existem no nosso meio distinctos sportmen, que podem competir com os estrangeiros, e ainda ultimamente o arrojado recordo Madrid-Lisboa, que tanta admiração causou, foi, apesar dos naturaes contratempos, um dos mais brilhantes de que temos memoria.
Appellamos, pois, para todos os cyclistas pedindo-lhes o seu valioso auxilio, tanto material como intellectual, e immenso será o nosso regosijo, se, compenetrando-se dos seus deveres, se levantassem do estado de apathia em que jazem.


A 14 de Janeiro de 1897, em resultado duma cisão ocorrida no jornal atrás citado, surge também em Lisboa o Sport Velo. A sua redacção ficava no Largo do Poço do Borratem, nº 13, o proprietário era J. da Costa Braga e o editor Paulo da Fonseca, que seria um dos dissidentes do Velo-Sport. O editorial do primeiro número, assinado pelo seu proprietário, J. da Costa Braga:

Este periodico não é novo.
A ardente dedicação com que temos trabalhado até aqui por animar o gosto pela velocipedia, patenteando e exaltando, algures, todo o esplendor do nosso bello “sport”, não pode ser-lhe contada como vida, propriamente, mas é, sem duvida, uma preexistencia que, conhecida ella, por si só basta para accentuar o caracter do recemnascido, e garantir a legitimidade dos nossos desejos.
Não queremos o nosso credito por mãos alheias, é o que affirmamos; e a corrente de sympathia, com que fomos acolhidos pelo “cycling” na nossa estreia, impõe-nos o dever de manifestarmos ao sport “Velo” que nem somos ingrato nem abandonaremos o nosso posto, desapparecendo como viemos.
Mantermo-nos pois devotadamente na derrota de propaganda, e na mais attrahente exposição, não só das novidades palpitantes que haja entre nós e no estrangeiro, mas tambem dos assumptos variados de que se pode tratar sobre o “Velo”, é o fim que procuraremos conseguir com geral agrado, acompanhando enthusiasticamente o progressivo desenvolvimento da nossa adorada velocipedia, e concorrendo para elle com quanto em nossas forças caiba.
Boa vontade não nos falta, já o provámos; fica tambem ao vosso dispôr o elemento principal de vida para os periodicos d´esta natureza – a typographia – o vosso auxilio, cyclistas, obterá d´esta fórma com segurança um resultado brilhante, e estamos certos que a rapida evolução d´este semanario poderá em breve reflectir nitidamente o incremento, avultado já, que entre nós tem tomado o cyclismo, trazendo ao nosso bando, mesmo no proximo verão, grosso numero de “propagadores pelo facto”.

Aos individuos, que aproveitando-se do nosso desinteressado trabalho pretendem ainda enxovalhar-nos com um desmentido torpe e porcamente sophismado, respondemos da seguinte forma:
Protestando contra o indigno desmentido dos proprietarios do “Velo Sport” empraso-os a que apresentem no seu periodico, visto eu ter sido “simples” collaborador, quaes eram os redactores, o principal d`entre elles, e tambem quaes os trechos que lhe pertencem.
Confrontando: a nota dos meus originaes assignados, não assignados, e das noticias por mim redigidas, como o farei no “Sport-Velo”.


Para terminar esta enumeração, destacamos também a publicação em Lisboa a 12 de Fevereiro de 1897 do primeiro número do jornal O Sport (não confundir com a publicação afecta ao Real Ginásio Clube Português), dedicado também à divulgação de vários desportos, com a redacção fixa na Rua do Crucifixo, tendo como responsável editorial Arthur dos Santos e como gerente Carlos Vieira d´Almeida.
Contudo, não se pense que o desporto só começou a figurar nas páginas dos jornais portugueses com o surgimento destes títulos enunciados. Jornais como o Diário Ilustrado ou o Jornal do Comércio também noticiaram os principais acontecimentos ocorridos no jovem mundo do desporto português de oitocentos. Por uma questão de cariz histórico, destacamos a notícia daquele que terá sido o primeiro jogo de futebol disputado em Lisboa a 22 de Janeiro de 1889 entre duas equipas, uma de portugueses e a outra com ingleses. A notícia vinha na edição de 23 de Janeiro de 1889 do Jornal do Comércio:

Uma quantidade enorme de pessoas foi hoje ao Campo Pequeno assistir ao desafio entre inglezes e portuguezes, ao” foot ball”. Grande número de carruagens com elegantes senhoras.
O resultado do jogo foi muito lisongeiro para os nossos compatriotas, que conseguiram ganhar a primeira partida, ficando a segunda empatada. Não faltaram os trambulhões e rebolões próprios do jogo, mostrando todos os fortes mancebos que n`elle tomaram parte quão exímios são no “manejo” do pontapé, como disse uma “elegante” que, por casualidade, ficou ao pé de nós.
O dia estava esplendido, mas um poyco ventoso. Quasi toda a gente foi, portanto, findo o “foot ball”, passear no Jardim Zoológico, onde se exhibia, de novo, a persa Mirra, uma rapariga muito gorda, com uma trunfa enorme, compridas barbas e o rosto completamente coberto de pello escuro.
A concorrencia no Jardim era enorme, como poucas vezes alli se vê. Todas as ruas cheias de gente. O buffete foi tomado de assalto, e às duas e meia já não havia sandwiches, sendo preciso que o proprietario mandasse a correr, à baixa, fazer novo fornecimento de salame, presunto, fiambre e pão de forma.Em summa, as duas diversões que hoje attrairam toda Lisboa foram o “foot ball” e o Jardim Zoológico.

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