Wednesday, May 23, 2007

Subsídios para a história da extrema-direita em Portugal no pós-25 de Abril

O Movimento de Acção Nacional

Em Junho de 1985 um grupo de jovens da zona da Amadora regista no cartório a Associação Cultural Acção Nacional, cujos princípios consistiam na “defesa dos valores nacionais, étnicos, culturais, éticos e espirituais”. Este grupo de jovens era constituído por Vítor Santos, Manuel Andrade, Alexandre Freire, Paulo Sequeira e José Luís Paulo Henriques, sendo que a ideia de organizar uma associação deste cariz partiu deste último, que já tinha militado na Juventude Centrista, e que se destacava dos restantes pela sua força de vontade e dinâmica, e desde cedo “Zé Gato” (alcunha pela qual também era conhecido José Luís Paulo Henriques, pelas semelhanças futebolísticas que tinha com o antigo guarda-redes benfiquista) tomou em mãos a direcção do grupo. Posteriormente a associação passou a designar-se Movimento de Acção Nacional (MAN) e começa a dar os primeiros sinais de dinamismo, reflectindo-se na edição do seu primeiro órgão de informação, o jornal Acção, isto já no ano de 1986, sendo mais tarde substituído pelo Ofensiva. Naquele que foi o primeiro jornal do movimento podia-se ler que “o MAN caracteriza-se por uma Terceira Atitude, que se coloca em oposição ao Capitalismo e Socialismo”, sendo o seu lema, impresso nos cartazes que já começavam a povoar as paredes da zona de Lisboa, “Nem Capitalismo! Nem Comunismo! Terceira Via! Por Portugal!”. Esta atitude de inconformismo aliada à divulgação de propaganda provoca a adesão de muitos jovens, entre os quais um grupo de jovens de Almada, que tinham em comum o gosto pela cultura skinhead, e que em 1987 resolvem aderir ao MAN. Ainda neste ano, e aproveitando a dinâmica que a adesão dos primeiros skinheads provocou, é editado o primeiro número do Combate Branco, dirigido aos militantes mais radicais do movimento. A influência do MAN chega ao Norte do país, onde começam a surgir os primeiros militantes, e onde surge a primeira publicação, intitulada Vento do Norte. Esta junção com os famigerados skinheads veio a provocar vários dissabores ao MAN, que aos olhos da sociedade portuguesa foi sendo visto como uma organização de extrema-direita composta em grande parte pelos chamados "cabeças rapadas", que se caracterizavam (pelos exemplos vindos do estrangeiro, nomeadamente de Inglaterra, onde nasceu, nos anos 60, esta subcultura) pela violência e pelo racismo. Em 1989 começam a surgir os primeiros problemas, ao mesmo tempo que começam a surgir as primeiras cruzes celtas (símbolo adoptado pelo MAN) nos estádios de futebol, sinal da influência que os skinheads começavam a ganhar nas claques dos principais clubes portugueses. Em Maio deste ano o actor João Grosso é agredido por um grupo de sete skinheads em Lisboa, tendo perdido um testículo em resultado do espancamento, sendo de referir que João Grosso estava a socorrer um outro jovem que estava a ser agredido pelo mesmo grupo. A comunicação social começa a reportar alguns episódios de turbulência na noite lisboeta, nomeadamente confrontos no Bairro Alto, mas é a 28 de Outubro que se dá o acontecimento que, muito provavelmente, levará à auto-extinção do MAN. Neste dia um militante do Partido Socialista Revolucionário (PSR), José Carvalho, é esfaqueado junto ao coração mesmo à porta da sede deste partido, na Rua da Palma em Lisboa, o que provocou a sua morte. Tudo terá acontecido quando um grupo de skinheads oriundo da Margem Sul forçou a entrada na sede do PSR, onde estava a decorrer um concerto promovido pelo partido inserido numa campanha contra o militarismo. O autor do golpe fatal terá sido Pedro Grilo, condenado a 12 anos de prisão por homicídio voluntário qualificado no julgamento que decorreu no Tribunal de Monsanto a 21 de Março de 1991, presidido pelo juiz Ricardo Cardoso, e onde foram também condenados Américo Silva (pena de 7 anos), Melchior Santos (6 anos) e Gabriel Ferreira (5 anos), os três condenados pelo crime de ofensas corporais e co-autoria da morte do militante do PSR. Filipe e Miguel Temporão foram condenados a 18 e 15 meses de prisão, respectivamente, mas com pena suspensa, Francisco Mascarenhas e Carlos Mariani foram absolvidos. Pedro Grilo sempre reclamou inocência, e a faca que provocou a morte de José Carvalho nunca foi encontrada. Cinco meses depois de ter sido condenado Pedro Grilo evade-se da cadeia do Linhó, dentro do carro da roupa suja juntamente com outros dois reclusos, sendo desconhecido até hoje o seu paradeiro. Mas os incidentes não se limitavam à cidade de Lisboa, também no Porto os skinheads faziam estragos. A 19 de Novembro de 1989 o angolano Francisco Faustino é espancado na zona da Boavista, sendo posteriormente abandonado, inconsciente, na linha férrea. Também neste dia dois cidadãos espanhóis são agredidos pelo mesmo grupo no centro comercial Brasília. O caso relativo a Francisco Faustino é levado também a julgamento, são constituídos 12 arguidos, sendo a decisão proferida a 14 de Abril de 1997, não chegando a condenar à prisão nenhum dos envolvidos, ora por falta de provas, ora devido a amnistias. Já a terminar o ano de 1989, talvez o mais atribulado da história do MAN, um jantar organizado no Porto a 1 de Dezembro, que visava uma maior aproximação entre a estrutura dirigente do movimento, situada em Lisboa, e os militantes nortenhos, acaba em confrontos entre os dois grupos, o que denotava a fragilidade da base de apoio do MAN. Sensivelmente no mesmo período José Luís Paulo Henriques tenta uma demarcação dos skinheads, e apela a uma maior discrição por parte dos militantes mais radicais, o que não é bem recebido por alguns dos membros do MAN, que abandonam o movimento para formar a Frente de Defesa Nacional (FDN), no entanto esta última não consegue ter o impacto que o MAN teve na sociedade portuguesa no final dos anos 80. A actividade do movimento reduz-se drasticamente, e só volta às páginas dos jornais em 1993 quando o Ministério Público solicita ao Tribunal Constitucional a extinção do MAN por ser uma organização que perfilha a ideologia fascista, proibida pela Constituição Portuguesa, aliada aos acontecimentos violentos que alguns dos seus militantes protagonizaram em Lisboa e no Porto. A 20 de Setembro deste ano começa o julgamento, onde os antigos dirigentes do MAN assumem a admiração pelo Estado Novo de Salazar, mas recusam a conotação com o Fascismo e com a violência dos skinheads, não desmentindo, porém, a infiltração destes no movimento. No início de 1994 o Tribunal Constitucional indefere o pedido de extinção do MAN pelo Ministério Público por ter chegado à conclusão que este já se encontrava extinto.


A extrema-direita e as claques de futebol

Mas se os anos 90 viram o desaparecimento do MAN, também viram o surgimento da extrema-direita em grande destaque noutros palcos, desta vez menos políticos e mais desportivos. Em 1991, Gaspar Fernandes, responsável operacional da PSP pelo policiamento dos estádios da Grande Lisboa, confirma em entrevista ao Diário de Notícias a presença de elementos da extrema-direita nas claques dos grandes clubes portugueses. Mário Machado, skinhead que vem a ter um enorme protagonismo anos mais tarde, terá tomado contacto com esta ideologia sensivelmente nesta altura, e terá sido nas bancadas do antigo estádio José Alvalade, e no seio da claque sportinguista Juventude Leonina, que pela primeira vez privou com skinheads, conforme o próprio assume em entrevista concedida ao jornal Correio da Manhã em Maio de 2005. Os primeiros anos da década de 90 ficam marcados pelos primeiros episódios de violência protagonizados pelas claques. Em Março de 1992, após o jogo entre Sporting e o F. C. do Porto a contar para a Taça de Portugal, os adeptos sportinguistas envolvem-se em confrontos com a polícia dentro e fora do estádio. Durante esta época de 1991-92, a exibição de bandeiras neo-nazis no seio das claques do Benfica, Sporting e F. C. do Porto são uma constante, mas é na época seguinte, 1992-93, que a situação se agrava, tendo a comunicação social dado grande atenção ao facto. Ainda em 1992, também em jogos a contar para a Taça de Portugal são exibidos símbolos de extrema-direita. Em Loulé, durante o Louletano – Benfica, membros dos Diabos Vermelhos exibem uma bandeira com a cruz suástica, e no Barreiro, no jogo Barreirense – Sporting, uma enorme faixa, contendo a palavra Skinheads e ladeada por uma cruz celta, é colocada na rede do estádio, precisamente na zona onde se encontravam as claques do Sporting. Mas não era só em estádios de clubes pequenos, onde o policiamento é mais fraco, que estes símbolos eram exibidos. Em pleno estádio da Luz, em Lisboa, no jogo que opôs o Benfica ao Dínamo de Moscovo, a contar para a Taça UEFA, a claque No Name Boys exibe uma faixa relativa às Waffen SS, a força de elite do exército nazi. A confirmação da infiltração da extrema-direita nas claques de futebol surge nas páginas da revista Sábado, onde é feita uma reportagem sobre o assunto, e onde membros da Juventude Leonina, incluindo o seu líder Fernando Mendes, posam para a foto fazendo a saudação nazi e segurando uma bandeira com a cruz celta. Mais tarde, em entrevista concedida ao jornal A Bola, o mesmo assume que o fez por uma questão de protagonismo, com o intuito de que a comunicação social desse alguma imagem da claque, e desvaloriza a saudação nazi, afirmando que fez o mesmo aquando do seu juramento de bandeira durante o serviço militar. Mas é no início do ano de 1993 que a opinião pública desperta em definitivo para esta situação. A 3 de Janeiro, durante o intervalo do jogo Belenenses – Benfica, membros afectos à claque No Name Boys provocam incidentes e agridem um funcionário do clube do Restelo, por este ter tentado impedir que os jovens benfiquistas vandalizassem o marcador do estádio, no seguimento dos incidentes é exibida uma bandeira com uma cruz suástica por um suposto membro dos já referidos Diabos Vermelhos, tudo isto captado pelas câmaras da televisão e visto por milhões de portugueses. Dias depois começam as reacções, a direcção do Benfica decide retirar o apoio às suas claques e o presidente do F. C. do Porto, Pinto da Costa, pede a demissão de Dias Loureiro, responsável pela pasta da Administração Interna do governo de Cavaco Silva, responsabilizando-o pelos últimos acontecimentos. A conexão entre este despertar da violência nos estádios de futebol portugueses e as infiltrações da extrema-direita começou a ser feita pela opinião pública, o que ainda perdura, sendo algo sempre reforçado por associações como o SOS Racismo.

1 comment:

Unknown said...

Sincero obrigado por este pedaço de história, na sociedade "politicamente correcta" em que vivemos hoje nenhum jornal ou televisão relataria estes factos tão imparcialmente, especialmente quando falamos de grupos de direita.